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31/07/07

SOU DO CONTRA

Kay Sage
On the Contrary, 1952



Sempre fui pouco ouvido. No trabalho os colegas não me escutavam: diziam que não valia a pena, porque não tinha influência suficiente para me fazer ouvir. O patrão – pelo contrário – achava que falava demais e o honrava de menos. Um ingrato, gritava para o pessoal ouvir !

Em casa é um pouco diferente : ou me ouvem e me “ralham” ou estão-se nas tintas porque não me prestam atenção. A filha diz que sou liberal por fora e “vermelho” por dentro, o filho que falo pouco mas grito muito, a mulher não tem tempo porque está sempre a falar, a minha mãe porque está quase surda, a minha sogra porque desistiu, o cão, esse, nunca me falou, só ladrava. Detestou-me, até à hora da morte. Deus o tenha em bom descanso.

Sempre fui muito calado e algo distante : diziam que era grosseiro por vocação e do contra por exibição. É verdade que era e sou do contra. Dizem que é por vaidosa teimosia, mas tal não corresponde à verdade. É por convicção. Definitivamente !

Este estigma lançado aos que são contra é, aliás, uma acusação que se ouve com frequência. Governos de cor diferente queixam-se, à vez, que as oposições limitam-se a ser do contra, pouco se esforçando em agirem de forma construtiva, a bem da Nação. Nesse aspecto, nunca mudei : fui sempre do contra. Ser do contra os que são maioritariamente a favor, é um direito e não creio que essa prática possa corroer o bom funcionamento da democracia, ainda que assuma algumas vezes um carácter demasiado populista, para o meu gosto. Vitaliza, não corrói, apesar de alguns excessos. Aliás, os que são contra os do contra (as minorias políticas) têm um posicionamento semelhante, só que de sentido contrário. Um pouco mais intolerante, porque parte de quem tem o privilégio de pertencer à maioria que está escrutinada para “mandar”. Mas, é assim na democracia. E, é assim, na vida !

Não havendo alternativa à democracia, nem à economia de mercado, nem à globalização, nem ao imperialismo americano, nem às políticas monetaristas, nem à guerra preventiva, nem à flexibilização do trabalho, nem às elites culturais e às minorias esclarecidas, que resta para a intervenção política e social ? Demais, se as empresas não são espaços democráticos, se na economia, saúde, justiça, ciência e religião temos que nos sujeitar às regras dos detentores do conhecimento, dos dogmas ou do capital, que fica para o exercício do direito de cidadania ? Pouco, muito pouco, e por isso não podemos perder as poucas liberdades que nos restam, nomeadamente o direito de ser contra. É uma forma de resistência. Ruidosa, mas, ainda assim, pacífica. E Não há nenhum prejuízo para o sistema, pois ele pode bem com o nosso azedume.

A “azia e o mau feitio” do poder são bastante piores. Os detentores do poder real ou fáctico, sabem tudo, comem tudo e deixam pouco. Não são mauzinhos: são reformistas. Detesto as modernices dialécticas que usam para camuflar a influência ideológica que anima o admirável mundo novo que anunciam querer construir. Sabem tudo e de tudo. Cercado de tanta sabedoria, sinto-me desconfiado pela política de direita escondida com independência de fora e pelos parcos resultados ganhos pela via do trabalho de tantos sabichões.

Convivo pacificamente com a diversidade. Habituamo-nos aos posicionamentos diversos dos nossos. No seio da família, da empresa e do grupo é muito fácil lidarmos - hoje - com a diversidade. Conhecemos as pessoas. Temos problemas e anseios muito idênticos e isso faz toda a diferença.

Relativamente ao(s) poder(es), sou bastante menos confiante. Embora exercido(s) por pessoas como nós, “mandam” em nós. Deixamos de ser iguais e isso faz toda a diferença. Ser do contra é, por isso, quase um instinto : é o nosso sistema de autodefesa a funcionar. Não sou um “contra” primário. Confesso, porém, que este governo não tem o meu apoio e tenho sido “activamente” contra muitas das suas iniciativas. Considero que o actual Governo continua a seguir um sistema, cujo processo central se limita a “encorajar” o debate acerca de assuntos políticos, económicos e sociais, num quadro de pressupostos que incorporam as doutrinas básicas do pensamento dominante.

Não alinho neste afunilamento que empobrece o jogo democrático que nos descarta da discussão das questões vitais do país Para que conste : muito provavelmente, continuarei a ser do contra. Em forma de opinião, não abdicarei de exercer esse direito.

Mário Faria

Nota Final :

“….o que se torna tão insuportável é a solenidade e a noção de autoridade que as pessoas sentem quando exprimem o lugar-comum. O que nós sabemos é que, de um modo que não tem nada de lugar-comum, ninguém sabe coisa nenhuma. É espantosa a quantidade de coisas que não sabemos. E mais espantoso ainda é o que passa por saber…. “ (Philip Roth : A Mancha Humana)

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2 comentários:

Anónimo disse...

alguem sempre o ouvira...admiro sua retidao de caracter.parabens.

Anónimo disse...

Ser do contra é um direito.
Escrever assim, é uma maravilha,
Muitos parabéns

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