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01/04/08

LEITURAS

Alcino Silva



No mês de Fevereiro a cidade da Póvoa de Varzim assistiu à 9ª edição do encontro de escritores de expressão ibérica, Correntes d’ Escritas. Num desses dias de encontro com a literatura, assisti ao lançamento de um livro de um dos escritores participantes, Susana Fortes de seu nome, galega de nascimento e valenciana de residência. “O Amante Albanês” foi basicamente apresentado como a história de um amor proibido. A escritora não me seduziu nessa apresentação e, menos ainda, quando na mesa de diálogo em que participou procurou explicar a razão de ser do seu conteúdo, relevando o facto de a história se desenrolar na Albânia, à época vivendo sob um regime fortemente ditatorial e repressivo. Se já tinha sentido mal-estar, mais senti quando não foi capaz de contestar à pergunta de um dos participantes quanto ao ter escrito sobre uma realidade que não conheceu nem viveu quando tinha uma idêntica ou pior dentro de casa.

Contudo, a curiosidade, levou a que oferecesse o livro e desejasse lê-lo. È de facto uma história de amor e quanto ao proibido é uma outra questão que pode ser tema de debate. Será a felicidade proibida? E o amor não faz parte integrante da felicidade? Alguém pode ser feliz sem amar?

Susana Fortes criou uma história simples. Todo o livro se desenvolve ao encontro da vida e da atracção de dois personagens e talvez pelo facto de querer que nos debrucemos sobre essa paixão que vai sobrevir no último terço da obra quase passa em lume brando o grande e verdadeiro amor que ocorre ao longo de toda a história.

Lê-se na contracapa que o livro aborda paixões impossíveis e amor subversivo. Tenho dúvidas que as paixões sejam momentos de amor, pois normalmente resultam antes da atracção física, quase sempre violenta por incontrolável e que se esgota nesse contacto. Se se transformam em amor, então, porventura deixaram de ser paixões. E o trabalho da escritora galega leva-nos de facto até à história de um grande amor que se prolonga no tempo e, esse sim, proibido. Proibido, por uma sociedade ainda tribal, proibido por uma religião que não concede esse espaço e proibido ainda por um contrato de casamento igual a tantos outros que não concede que a felicidade possa estar para além e paralela ao mesmo.

Será a ama húngara à posteriori a fazer a avaliação ponderada dos actos e das consequências e a extrair as lições dessa felicidade encontrada no exterior do que a sociedade entende por relações normais. Relatando a Ismail a vivência amorosa da mãe, a qual como todos os grandes amores, tem o seu momento de paixão, como diz Hanna, “os sentimentos intensos são um desvario”, “A tua mãe às vezes comportava-se como uma miúda, percorrendo a galeria de um lado a outro, livre, aos saltos…”, mostrava-lhe contudo como esses instantes que se prolongaram ao longo de anos e lhe deram vida, a tornavam feliz e a felicidade deve ser uma procura constante. A busca da felicidade não deve merecer discussão, os caminhos para a alcançar é que podem ser questionados. A mãe de Ismail nunca teve nome ao longo do livro. Referiam-se-lhe como, Ela, tentando assim, apagá-la da vida e do passado, pois alguém que não possui nome acaba por nos convencer que não existiu e se não existiu deixa de nos perturbar tanto. Deste grande e intenso amor que a autora dilui ao longo da sua obra, nasceu Ismail que Hanna explica pelo facto de que em todos os grandes amores o que a mulher mais deseja é ter um filho que resulte dessa veemência sentimental.

Ismaíl acabará, não por ter um grande amor, mas uma grande paixão, violenta, descontrolada e para além da sensatez racional com a cunhada a jovem mulher do irmão e dessa intensidade amorosa resultará uma parte do desfiar dos segredos da história.

Nada acaba em bem neste livro e a parte subversiva da autora é quando de forma subtil vai introduzindo na vivência dos seus personagens todo um quotidiano policial e de terror que chega a assustar e perturbar. Desconheço se a Albânia foi exactamente assim. Apenas não me pareceu apenas de bom tom que no romance aparecesse esse lado negro da história em que os heróis do regime assassinam por conveniência, a seu bel-prazer e impunemente sem a explicação de uma sociedade que se permitiu fechar-se de forma férrea durante cinquenta anos e ainda hoje com todas as mudanças continua a esconder muitos enigmas para aqueles que a olham à distância como foi, aliás, o caso, da autora. De qualquer forma, também aqui o livro pode deixar um momento de reflexão aos Homens que no início do século XXI insistem em procurar uma sociedade livre e justa, com o idealismo e o romantismo que acreditam tenha havido em pleno século XX e que fez com que tantos seres humanos morressem por um ideal e outros transformassem experiências libertadoras em momentos de inexplicável pesadelo.


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