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01/10/08

OS HOLOCAUSTOS PRIVADOS

Alcino Silva

O Cerco de Leninegrado no Museu de História de S. Petersburgo



Um acaso da vida levou-me um dia até um cemitério da antiga Leninegrado, hoje S. Petersburgo. Um espaço imenso onde se encontram 900 sepulturas com mil mortos cada, resultantes do dramático e criminoso cerco à cidade pelas tropas nazis entre os anos de 1941 e 1943. O ambiente impressionava pelo silêncio apenas quebrado pela sereníssima música fúnebre que pairava sobre uma chama eterna e os braços estendidos da estátua representando a mãe-pátria devastada pela morte trágica dos seus filhos. Essa guerra sangrenta fez desaparecer aproximadamente 55 milhões de seres humanos da face da terra. Fuzilados, bombardeados, enforcados, gaseados, derretidos em ondas de calor, tudo valeu num processo de violência quase sem precedentes na caminhada da humanidade. Ao que se supõe aproximadamente 20% desses mortos, pereceram nos campos de concentração e extermínio essencialmente na Europa, dos quais, talvez metade, eram cidadãos de diversos países e que professavam a religião judaica. Os restantes, eram eslavos, comunistas, opositores, prisioneiros de guerra e todos aqueles que a girândola enlouquecedora dos nazis lançava nesses campos da morte. Por razões não totalmente explicitadas até ao momento, mas que se vislumbram numa campanha anterior à guerra, talvez até dos fins do século XIX, lançou-se mão de uma propaganda que fez esquecer 50 milhões de mortos, elegendo-se 5 ou 6 milhões para falar de holocausto nazi. Para além de uma distorção da história e dos acontecimentos é, sobretudo, uma grande falta de respeito para os outros 95% de seres humanos que morreram, pois quando a guerra mata, é quase indiferente a forma como se morre. Não se pode, em nome da ilusão mística de uma Terra Prometida, erguer em monumento mundial uma parte dos mortos e fazer de conta que a esmagadora maioria eram seres humanos de segunda e cuja morte é, digamos, até aceitável, compreensível. Quase que nos leva a pensar que os milhões de mortos que não professavam a religião judaica, não faziam parte da história, das nações, das comunidades onde estavam inseridos. Para estes não existiu nenhum holocausto, não foram imolados, ninguém lhes presta homenagem, ninguém se lembra deles, ninguém se horroriza. Apenas existiu um holocausto nazi, privado, particular e que atingiu os indivíduos de religião judaica. Aparentemente, ao longo destes 60 anos todos vimos alimentando esse silêncio em redor dessa imensa mortandade, sustentando essa falsa verdade de que os mortos verdadeiros foram aqueles 5 ou 6 milhões especiais. E para que esta espécie de farsa se complete, serão os sobreviventes desse holocausto particular, os seus filhos e os seus apoiantes, gente de nacionalidade diversa que em nome de um pretenso sonho milenar se instalam em pleno Médio Oriente em terra palestiniana e após a expulsão de 4 milhões dos seus habitantes vem instaurando o maior campo de concentração do mundo onde procedem a uma das maiores mortandades do nosso tempo, desrespeitando qualquer lei internacional e cometendo atrocidades sem limite. Para que a farsa se complete, todos os anos recordam…., o seu holocausto privado! Assim vem sendo desde 1948 com a complacência do mundo, com os nossos silêncios, com as nossas omissões. As mesmas que deixam os seus padrinhos à solta pelo planeta nas suas guerras particulares e criminosas numa espiral de violência e de mortandade que não deveria deixar de nos impressionar. Naturalmente que os proprietários destes holocaustos privados são democratas, pluralistas e os seus Estados realizam eleições, pelo que ficam desculpados das Guantanamos, Abu Graib, prisões secretas e clandestinas noutros países democráticos da Europa ou totalitários de outros continentes que funcionam como subcontratados da tortura. Em nome da nossa liberdadezinha privada, particular, muito nossa, do nosso estatuzinho, do nosso modesto mas sossegado conforto, vamos fechando os olhos, pelo menos, como escrevia Brecht, enquanto estiverem na casa ao lado. Movemos até um pouco para baixo o botão da televisão para a possibilidade de nos poderem ouvir e pensarem que vive aqui alguém. Olho para mim e pergunto: até quando? Até nos baterem à porta?


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