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01/11/08

A CRISE


Mário Faria

Manifestação contra el Corralito em Fevereiro de 2002, na Argentina

Assim que souberam, que o então ministro da economia Domingos Cavallo ia impor o “corralito” (restrições na movimentação de contas bancárias), 1500 empresários e outras destacadas personalidades levaram para fora do país qualquer coisa como 3 mil milhões de dólares. Em 1974, a desigualdade social, ou seja a diferença entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres era de seis vezes. Em 2001, o fosso atingiu 46,6.
O primeiro aviso, deste século ocorreu lá : o mercado não só não resolveu os problemas, como não ficou imune das cadeias que costuma estabelecer para optimizar os seus proveitos. Com o seu potencial e as suas fragilidades, na Argentina como em Portugal, o capitalismo é demasiado importante para ser deixado ao arbítrio dos capitalistas.
Os mercados não funcionam tão perfeitamente como afirmam os modelos simplistas baseados nos postulados da concorrência e da informação. Não é assim que as coisas se passam : hoje a mundialização não funciona. Não funciona para os pobres do mundo. Não funciona para o meio ambiente. Não funciona para a estabilidade da economia mundial, e fica demasiado exposta ao jogo da especulação financeira, sem rosto e sem fronteiras.
O mercado é uma instituição que só existe através de outras instituições. Se não houver, a par do mercado, um bom sistema jurídico, um bom sistema de direito que defina a propriedade e que defina as relações de troca, se não houver uma boa rede bancária, se não houver toda uma série de instituições, se não houver um Estado que regulamente o mercado, então ele não funciona, transforma-se numa máfia.
É necessário considerar que o impossível é mesmo certo e inevitável para que o impossível se torne impossível, considerando a precaução insuficiente: a precaução baseia-se na incerteza de que algo possa vir ou não vir a acontecer; o catastrofismo esclarecido parte do princípio de que vai mesmo acontecer. Nenhum dos iminentes figurões que sabem tudo de economia e finanças, foi capaz de nos avisar. Afinal, eles enganam-se muito e erram de forma irresponsavelmente descarada.
A globalização é o predomínio do mercado sobre a política : a globalização cria riqueza aumentando a insegurança. Quem gere a nova insegurança? Ninguém. A internacionalização política fica atrás da económica.
Kahneman e Tversky, este último já falecido, mostraram como as decisões em situações de incerteza se afastam da racionalidade prescrita na teoria económica tradicional, em virtude do peso importante de factores de ordem psicológica e cultural, como por exemplo os modelos mentais, as emoções, as atitudes, as memórias das experiências do passado e a percepção das suas consequências em situações semelhantes. Assim, em situações incertas as pessoas tendem a basear-se em heurísticas, senso comum e em métodos práticos de tomar as decisões.
A agenda política dos conservadores americanos é intrinsecamente revolucionária. Desde o início, os americanos viram os seus valores e instituições como a expressão de aspirações universais que um dia seriam relevantes muito além fronteiras. A democracia, o governo constitucional, os direitos individuais e o mercado livre, servem os USA como todos os outros estados. O mercado livre integra um sistema auto-regulador eficiente : menos Estado, menos intervenção a não ser que sirva para servir os interesses do sistema, nomeadamente da banca.
Sabemos agora (o que sempre desconfiámos) que o mercado nos pode deixar muito próximo do precipício. É fácil : primeiro, surge uma nova e maravilhosa tecnologia ou ideia económica. Depois de alguns anos de segurança e prosperidade, é engendrada o conceito que as velhas regras não se aplicam mais. O cenário parece cor de rosa, e a nova tendência, antes confinada aos investidores graúdos, ganha a comunidade. Todos passam a comprar acções, a investir em capital de risco, e, de repente, pluff, a bolha estoura. Os heróis tornam-se vilões, as falências disseminam-se.
São os ciclos, são as bolhas, são os produtos tóxicos. O que sobra de riqueza no jargão da linguagem económica e financeira, falta nas empresas e nos cidadãos. Os pobres, esses, ficam muito aliviados depois de ler que em Portugal a pobreza desceu de 1,8 para 1,6 milhões de pessoas. Só não percebem porque continuam pior, e não fazem parte desses 200 mil que deixaram o paradigma dessa vergonha que é ser pobre e excluído. O que lhes falta cumprir ?
Sem rodeios, a verdade nua e crua é só uma : o nosso Governo não tem ao seu dispor instrumentos eficazes, aquelas armas clássicas da política económica para reverter uma situação de crise deste ou doutro tipo. Estamos absolutamente à mercê da conjuntura internacional, quando a crise internacional parece ser mais sistémica e menos conjuntural.
É necessário apertar o cinto, diminuir o crescimento de salários, aumentar o desemprego, permitir os despedimentos, privatizar os serviços públicos, investir e inovar. É urgente realizar uma reforma de mentalidades.
Sinceramente, acho que muitos desses sábios e senadores que escreveram (e insistem em escrever) este tipo de palavreado altamente tóxico, quando lhes dá na bolha, precisam de urgente reciclagem. Julgando-se muito inteligentes e sapientes, tornaram-se estupidamente reaccionários para parecer que são modernos e lucidamente progressistas.
Já tinha compreendido que havia portugueses com direitos, conquistas e mordomias insustentáveis e que são esses os que mais defendem que é preciso acabar com os privilégios.
Neste momento de crise aguda do sistema capitalista, é imperioso que a esquerda se assuma na defesa dos trabalhadores e de todos excluídos, pois uma democracia não pode acabar onde começa a propriedade privada.

Parte deste artigo recebeu subsídios de textos de : Joseph E.Stiglitz, René Passet, Jean Pierre Dupuy, Sérgio Figueiredo, Eduardo Prado Coelho, Francis Fukuyama e António Barreto.


1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns

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