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01/02/09

KARATÉ KID

Mário Faria




Costumava cruzar-me com um moço vestido a rigor com o fato de judoca e que aproveitava o passeio como tapete para simular os golpes marciais, que mimetizava a preceito e que acompanhava com urros guerreiros, tradicionais daquelas disciplinas orientais.
Certa vez, no fim do período estival, o judoca ao passar parou de repente e sobre mim simulou um golpe marcial que me fez recuar. Receoso das suas intenções, disse-lhe muito sério :
- “Que é isso ? ”.
Respondeu-me com toda a serenidade :
- ”Fosca-seee, não tenha medo, não ataco pessoas indefesas. Estou apenas a treinar os golpes que aprendi esta semana. Fosca-seee, adoro as artes marciais e sou conhecido lá no bairro por Karaté Kid, porque acham-me muito parecido com o artista. Não perco um filme do género. Os gritos de guerra, aprendi com a equipa de râguebi da nova Zelândia que acompanho sempre com alguns passos tribais daqueles monstros, que são baris. Fosca-seee !”
Deu meia volta, deixou-me a falar sozinho, e foi pela rua baixo a simular golpes improváveis, com berros marciais que deixavam os transeuntes espantados e traziam às portas das lojas muitos curiosos para espiar o que se estava a passar.
Não tive nenhum encontro imediato de qualquer grau com o Karaté Kid, durante uns meses.
Hoje, vi o homem : andava a passear no jardim em fato de treino, mas em vez dos golpes marciais caminhava calmamente e gesticulava como se estivesse a discursar para um público que o escutava atentamente. Quando parou junto de mim, fiquei surpreso : parecia distante e circunspecto, embora continuasse a gesticular, com o dedo indicador em riste. Antes que me metesse o dedo no olho, tomei a iniciativa de lhe perguntar :
- “Então, está bom ?”.
Respondeu-me em estado de exaltação :
- ”Fosca-seee, lesionei-me gravemente num pulso e tive de deixar as artes marciais, depois de um treino a partir tijolos. Andei desanimado uns tempos. O sonho dos jogos olímpicos já era, fosca-seee . Resolvi dedicar-me à política, que parece coisa fácil e traz muitas vantagens, mas nenhum partido aceitou que fosse candidato à AR, e mesmo como militante todos recusaram, porque acharam que não tinha perfil, não mostrava dedicação e ideologicamente não sabia o que queria . Fosca-seee, grandes palermas”.
Comentei, o mais sério que me foi possível :
- “Oh Karaté Kid, a política, porquê ?” .
Olhou para mim e disse-me muito solene :
- “O Karaté Kid das artes marciais morreu. Agora sou um discípulo do Obama que é o novo Messias: salvador da terra, do ar e dos mares. Fosca-seee !”.
Não sorri nem me admirei muito por esta mudança tão súbita de vocação e antes que lhe fizesse alguma pergunta, virou-se e pude ver e ler nas costas do casaco do seu fato de treino o rosto de Barak Obama e o célebre lema da campanha : yes, we can. Entrei no jogo e comentei respeitosamente :
- “Estamos em Portugal, também gosto do Obama, mas estou bem mais preocupado com o que se passa por aqui e com quem nos governa. Não acredita que possa haver um líder nosso, todo nosso, que nos encha de esperança ?”
Ficou muito sério a ponderar o que lhe tinha dito. Andou de um lado para o outro, muito pensativo, como se estivesse a tomar um parecer muito importante. Parou de repente e disse-me :
- “Fosca-seee, não vejo ninguém e a cor é o que menos conta. O Sócrates é arrogante e só fala dum tal Magalhães que ninguém conhece, o Cavaco parece que engoliu um pau e fala de uma forma irritante, a Manuela mete medo ao susto, o Portas é esquisito, o Loução é do grupo vodka com laranja e gosto mais do tinto, o Jerónimo tem um grande defeito : é amigo do Orelhas. Não servem. Já decidi , com esses tipos não vamos a lado nenhum. Vou esperar pela formação do novo partido do Alegre. Gosto dos poetas, leio muito pouco, mas gosto muito das letras de algumas canções. Serve para isso, pelo menos. No meu bairro não gostam dele e dizem que não deve ser grande coisa porque nunca foi cantado pelo Tony Carrera. Fosca-seee, são mesmo ignorantes.”
Ia dizer-lhe qualquer coisa, mas deu meia volta e lá foi o Karaté Kid, discípulo de Obama, gesticulando e simulando um novo discurso, provavelmente a pensar como participar activamente na vida política portuguesa e como se apresentar ao eleitorado. Com ele, a crise tem os dias contados. Haja esperança !

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