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01/07/09

PASSAGEIROS DA ETERNIDADE

Alcino Silva



Há momentos em que tudo se torna visível. Podemos esconder, disfarçar, desviar atenções, mas um instante apenas basta para que tudo se torne perceptível. Creio que já há muito se deram conta, tanto mais que aqui e ali fui deixando pelo caminho uma palavra, uma frase, uma ideia que conduziam a essa verdade onde aparecia estampada a realidade, sem cenários, sem pinturas. Criei essa ideia já lá vão uns anos de que vos guiava montanhas fora ao encontro do infinito. Acreditaram ou deixaram que as aparências assim o fizessem entender nessa atitude simpática que os seres humanos possuem de não quebrarem a nau com uma onda só. É certo que aqui e ali, uma vez ou outra vos levei ate lugares que nos fizeram ondular os sonhos e os olhares navegaram ao encontro de mundos quase inacreditáveis, mas esses momentos de grandeza foram servindo para adiar o que teria de acontecer. Percorremos rios, desbravamos montanhas, abraçamos o céu e a terra, descobrimos o universo onde se escondem as estrelas que à noite brincam como as luzes de lanternas que vigiam o mar. Chegamos até a receber toda a água que o céu escondia e nos invadiu a estrada numa manhã em que a neblina sôfrega nos barrava o caminho. E hoje, voltei a recriar essa ilusão de que vos havia de levar até àquele ponto, nas alturas onde só voam as águias e entusiasmados lá me seguiram. Penso até que também acreditei ou assim me quis fazer crer perante a derrocada que seria com o aparecimento da verdade. Mostrei-vos mapas, desenhei caminhos, fantasiei veredas e seguimos. As aldeias resguardadas nas encostas das montanhas, a verdura que a primavera deixara, a luxuriante beleza da paisagem iam guardando a insegurança do que resultou do erro cometido na primeira hora. Disfarcei. Bússola numa mão, a outra a apontar para Este. Os garranos a atrair-nos a atenção e aves de asas largas como o vento, embelezavam-nos o olhar e sustentavam a ideia que chegaríamos a esse destino anunciado. Pelo fim da manhã com o pico à vista, todos perceberam que de novo regressaríamos sem que o objectivo fizesse parte da nossa viagem e nesse momento compreende-se que a outra jornada, aquela que fazemos pela vida, já vai longa, pois começamos a encontrar as coisas e os lugares que já só alcançamos em imaginação e quanto mais fértil esta for para mais longe voamos. Já não foi possível esconder por mais tempo até onde nos conduz o fracasso de aparentar que podemos chegar onde as forças e os conhecimentos já não nos deixam ir. Sim, sempre vos trouxe de regresso e esta não seria uma excepção. Não que o necessitassem mas sempre dá algum conforto pensar que a nossa utilidade pode ter alguma serventia. Apesar de tudo, ao longo daqueles quilómetros não deixei de sonhar de beber com aquela sofreguidão de quem sacia uma longa sede, toda a beleza que se desenrolava em nosso redor. Os adjectivos, perante os instantes únicos que nos oferece a natureza, tal como no amor, tornam-se inúteis para descrever o que o olhar observa. Usá-los só poderá servir para diminuir o que observamos, aqueles momentos, lugares e paisagens que deixamos adormecer na alma. No silêncio dos desfiladeiros, no olhar que se prendia nas massas graníticas que o devónico deu vida, no verde intenso e brilhante dos arbustos que nos escondia o caminho, nos animais que vagabundeavam livres pelo dorso da montanha, voltei a sentir que continuamos nessas viagens em que nos tornamos passageiros da eternidade. Soltei o olhar quando as asas das aves gigantes planaram sobre a ravina num voo de eterno instante. Como a vontade de viajar por estes lugares de poesia supera a realidade, certamente que vou continuar a seduzir-vos com a ideia que vos poderei conduzir para além das nuvens e com a gentileza de sempre, dirão que acreditam e, lá voltaremos a essas horas únicas. Quando nos detivemos num recanto escondido deixando que o corpo saboreasse a água do ribeiro que cantava entre as fragas na procura desse mar largo onde vive a fantasia dos sonhos, sentimos que a eternidade pode existir num momento assim e que todas as agruras da vida perdem sentido num lugar sem nome, no interior da natureza e rodeados dessa beleza que sentimos como um poema.

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