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01/10/09

NÃO DEVEMOS DESESPERAR

António Mesquita
L’usine Renault-Billancourt (Christin/Goetzinger/Dargaud)


"Il ne faut pas désespérer Billancourt"

(slogan político)


Billancourt é um subúrbio a oeste de Paris, onde se encontra a fábrica da Renault, palco de grandes lutas operárias, como, no princípio do século XX, as que se opuseram à introdução do método "taylorista".

Aquela frase tem uma origem literária (a peça de Jean-Paul Sartre: "Nekrassov"), embora com um sentido contrário ao que lhe foi dado mais tarde. Na peça, a personagem de um "renegado" pretende mesmo desesperar os que acreditam na Revolução, descrevendo a União Soviética com as cores mais negras. Ulteriormente, são as cores da realidade (os crimes do regime e os campos de concentração) que não se tem o direito de revelar para não desmoralizar a luta operária. Esta última versão é, erradamente, também atribuída a Sartre.

A ideia é a mesma do argumento, tantas vezes utilizado entre nós, de que o importante é "tratar dos nossos problemas", sem nos deixarmos enredar nas consequências que a doutrina possa ter tido noutro lugar. A dúvida, na medida em que suspende a acção, é o maior dos perigos. Mas merece o belo nome de acção, o que se faz de olhos fechados? Ou estaremos antes no reino da mecânica?

A dúvida é inerente ao pensamento vivo. Contra ela, apoiados nela é que mantemos o contacto com o tempo e a mudança, com a realidade, enfim. "Não devemos desesperar Billancourt" é, pois, um slogan que revela a face dogmática e defensiva duma doutrina que já vive só dentro das suas muralhas.

Querem alguns que a dúvida ganha o seu carácter da vontade com que a exercemos. Se não quisermos agir, a dúvida fornece-nos o perfeito álibi. Mas esta pode ser uma escolha legítima se à lucidez se atrelar a impotência.

Se queremos, porém, a acção, pode perguntar-se se dar lugar à dúvida não é querer e não querer ao mesmo tempo. Em nome da eficácia (a curto prazo), deveríamos então simplificar ao extremo o que está em jogo e lançarmo-nos no desconhecido. Parece-me que é isto o que acontece quase sempre.

Nesse sentido, impõe-se uma espécie de sequestro da realidade enquanto dura a acção, e os partidos políticos são a moderna instituição desse sequestro. Com o seu código exclusivo e o espírito colectivo do seu ambiente que se torna o único meio do pensamento, eles são uma espécie de máquinas para a acção.

E voltamos à questão de saber se esse funcionamento se pode confundir com o verdadeiro significado da palavra acção.


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