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01/09/10

UM TESTEMUNHO

Mário Faria



Falar da nossa experiência profissional não valida que se possa retirar duma pequena parte a (quase) totalidade do que se passa nas mais diversificadas actividades. Fala-se sempre muito do sector público, e normalmente para minimizar o profissionalismo e a competência de quem nele trabalha, sem cuidar que há muita injustiça nesses juízos definitivos e generalizados.

Todos clamam por reformas. Reformas, talvez ? Mas reformas de quê ? No sector da saúde, da justiça ou do ensino, talvez ? Qualquer organização pública é passível de ser melhorada. É desejável que o seja e que o laxismo e o corporativismo não o impeçam.

E sobre a dívida da banca, os maus investimentos no estrangeiro, a desvalorização das empresas na bolsa, a falta de notoriedade dos produtos, marcas e serviços nacionais, mais as bolhas que infectaram as finanças e a economia, que fazer ? Reformar ? O capitalismo ? Quando, como e com quem ? Ou a solução é rever o código laboral, aumentar a precariedade, liberalizar os despedimentos e baixar os salários até onde for necessário para se poder concorrer com o dumping social que domina nalguns mercados emergentes ?

E como acreditar que as empresas que hoje fecham e lançam para o desemprego milhares de trabalhadores, o fazem sempre porque o Estado os enche de impostos, e nunca porque encheram dolosamente os bolsos, antes de declarada a falência.

Do sector privado pouco se fala, embora seja a paixão de quase todos os partidos, pelo menos no que toca às pequenas e médias empresas. Insisto : vou falar da experiência que vivi nos últimos quinze anos (antes de ser reformado) em que trabalhei no sector da publicidade. É uma leitura pessoal como não podia deixar de ser. Vale o que vale, e pode muito bem ser arrumada no "caixote do lixo" em que normalmente se arrumam estes testemunhos.

Trabalhei numa multinacional americana, numa agência de meios portuguesa e mais tarde com os espanhóis que a adquiriram. Havia gente competente, mas fiquei com a ideia, pelos múltiplos contactos que mantive com clientes e fornecedores dos mais diversificados sectores, que as nossas empresas eram geridas em função do perfil dos seus quadros superiores, quando não exclusivamente de um só homem com o poder que só a um deus é atribuído, e bastante menos em função duma prestação de serviço qualificado e virado para responder às necessidades reais dos Clientes. Havia muita burocracia, muita improdutividade pela repetição de rotinas, insuficiente trabalho de equipa, muito vedetismo, pouca transparência, embora se jurasse o contrário, muita negociação, muitas horas ao telefone, muitas deslocações, demasiadas reuniões e extrema dependência do lobbying.

Quando o negócio corria abaixo do orçamentado em termos de receitas (as despesas eram bem mais fáceis de controlar), corria-se a fabricar excelentes planos com novos negócios de possíveis novos clientes, que funcionavam como uma promessa para sossegar os patrões : o exercício iria acabar com um final feliz, se as perspectivas que se estavam a trabalhar fossem concretizadas. O plano era um paliativo, mas dava muito jeito. Não raras vezes fomos salvos por termos sido capazes de captar bons negócios, quase sem esforço. Caíam. Oficialmente, tratávamos essas conquistas de forma gloriosa.

Perdia-se imenso tempo a negociar. Os portugueses adoram negociar. Mas, tinha que ser. Na actividade publicitária, por aquela altura, trabalhava-se com margens muito baixas. Nos dias que correm deve ser bem pior. Deve ser extremamente difícil manter a porta aberta, e fora de Lisboa um calvário. Não há contas novas e os "novos" clientes são "velhas" empresas que rodam pelas agências com renovadas exigências. É o ciclo da sobrevivência.

Nem tudo está mal e nos últimos anos crescemos muito em termos de recursos materiais e humanos. Falta saber o que não se sabe, que ainda é muito . Saber fingir que se sabe o que não se sabe, somos razoáveis. Não chega tirar cursos superiores. É preciso estar preparado para a batalha no terreno e capacidade para enfrentar os "inimigos" : a concorrência, os clientes e os fornecedores. No mercado não há amigos.

Da direita à esquerda, numa coisa todos parecem estar de acordo : a salvação está nas MPME e o Estado só tem que criar condições para que se constituam, cresçam, consolidem, avancem, multipliquem, floresçam, germinem, prosperem, garantam lucros e criem postos de trabalho. É só isso. Parece fácil.

E tal desígnio deve ser encarado como prioridade máxima. É preciso baixar os impostos, o que não é tragédia nenhuma uma vez que se reconhece quão raramente são cobrados. José Morgado Henriques tem lutado para manter a Papelaria Fernandes (PF) de portas abertas. Eis algumas das suas declarações ao jornal Público : "A dívida aumenta porque existem locações financeiras e impostos que não estão a ser pagos, nomeadamente as contribuições à Segurança Social. Neste momento, a dívida total é superior a 70 milhões de Euros. E, se isto durar muito mais tempo , qualquer dia não haverá dinheiro para pagar a quem quer que seja ….. Sentimos falta de apoio do Governo em todas as questões. Foi insensível aos problemas. A empresa tinha 380 trabalhadores quando cheguei. Mandámos 380 pessoas para a rua, quando se dizia que podíamos ficar com 150. Os custos sociais que o Estado vai ter de suportar com isto tudo, desde o fundo de garantia salarial ao subsídio de desemprego, são muito superiores ás dívidas contraídas pela PF."

O capitalismo está podre, logo há que rever a constituição e o pacote laboral. E reformas, não esqueçam as reformas, pela vossa rica saúde !


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