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01/11/10

TEJUALIDADES

Cristina Guerreiro
Tejo (AM)

Ainda o sereno embacia as manhãs quando lhe chego perto. Nos sons e nas formas, há o encanto do descobrir e no entanto, sem se mostrar ainda, já lhe apercebo o cheiro vadio de quem vai e vem sem dono, enchendo ufano ou carrasco magro no amparo ao cacilheiro.
O grito pregão do jornal compete com o chamamento árabe à oração, talvez que me persigne antes de o atravessar, espero boa ida, desejo melhor regresso, mas mesmo assim confio, confio neste Rio que chamam mar com o respeito sentido de um oceano velho de quem falamos numa qualquer história de há muito tempo.
Só na multidão. Não quero companheiros de viagem. Os que dormem, os que dormitam, os que o olham pelo fosco da janela, são cargas que o Rio suporta como escravos de um atravessamento a uma outra margem carcomida por outros tantos barcos. Só eu, tão eu e tu Rio, neste embalo de colo, namoramos na manhã acidulada a cinza e rosa, esquecendo os outros, pois.
 Deixá-los ir, deixá-los pensar que a viagem foi boa enquanto eu e tu guerreamos espaços sem medida à medida que as linhas do meu caderno se enchem ondulantes de tritões imaginados.
Ouvi dizer que já houve tritões e golfinhos e quero eu, para mim, que sereias também, mas a minha paixão por ti obrigou no ciúme fadista a esquecê-las desta água tanta. Tu, por amor a mim, prendeste-me para sempre, e nem outro Rio ou outro mar que de afectos tanto igual a ti fosse, me deixou vontades de saber de outros.
Sacodes o barco, avisas-me da hora, ignoras que das linhas me afundei a gosto sem marinheiro à fé do estrago, leva-me de volta à margem distante, não ouves o lamento do pregão, o sino da igreja, a manhã que grita no abrir do dia novo?
Bebem os meus pés saudades de passos em retorno de um caminho gasto pelo saber de te encontrar, logo mais o cacilheiro espera-me, berço de outros a dormir no cansaço do trabalho, eu afogada mil vezes em palavras escritas sobre um Tejo que de humores faz tom cambiado entre o prata-verde-azul.
Amanhã de novo, tudo outra vez e outra vez novo, Tejo de mar, Tejo de amor.

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