StatCounter

View My Stats

01/05/12

AS ROSAS DE MAIO

Alcino Silva



Não nasci em Maio, o mês das rosas, mas renasci em Maio. Talvez por isso, fiz da rosa a minha flor, um símbolo, um afecto.

Foi em Maio, ou mais precisamente às doze e trinta do dia vinte e três de Maio que abriram a porta da minha vida e colocaram uma rosa nos sonhos que habitavam esquecidos no meu olhar.

E desde então, todos os anos, quando chegava aquele dia de Maio, abria-se a porta do meu pensamento e acordava com um beijo e uma rosa no espelho dos meus olhos e sentia umas mãos compondo a flor nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.

Nesse tempo o sol nascia exactamente no meu quarto. Abria a janela. Em frente era o largo, a velha árvore do largo onde habitava o tempo. Quando chegava o mês de Maio, abria a janela e embriagava-me com o cheiro, a primavera, a jardins e à terra molhada pela chuva. E respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo, debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.

E tudo estava certo, nesse tempo, e nada tinha o sabor do irremediável. A ausência, o vazio do sonho que foi, só depois, por muito tempo haveria de ficar ainda desenhada na silhueta dos olhares e no recanto dos jardins, à sombra das magnólias, andando pela casa nos pequenos ruídos da imaginação e pouco a pouco sentando-se nas muitas perdas que viviam na almofada da minha memória.
A partir desse dia de Maio passei a dormir poisado sobre a eternidade, como se tudo estivesse certo para sempre, dormia com muitos olhos, muitos gestos vigilantes sobre o meu sono. Por vezes, tinha pesadelos, acordava, inquieto, a meio da noite, qualquer coisa parecia querer despedaçar-se e então chamava pelo seu nome, e logo essa voz, tão calma, tão profunda, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, e era de novo o meu quarto, a doce quentura da minha casa no cimo da ternura.

Aprendi a sentir a Primavera desembrulhar-se em flores, em cores, em brilho de sol ameno alindando-se para o Verão, em sentir as árvores nessa pulsação de vida que brota em fruto e estendendo as suas copas por espaços maiores que frondosamente haveriam de sobrevoar a terra e sentir também os últimos frios esfumarem-se em nuvens e os degelos derreterem-se em caudais de rios e lagos.

Deixou de haver medo nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sono, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar, e logo uma voz, serena mandava embora os fantasmas. Era a paz nesse tempo, em que todos os anos, quando chegava o mês de Maio, mais exactamente, o dia vinte e três de Maio, às doze horas e trinta, abria-se a porta do quarto onde os meus sonhos descansavam, e colocavam um ramo de rosas sobre a minha vida, nesse tempo, em que tudo parecia certo, exacto e imutável e as estações cumpriam o seu rito.

Em Maio de um ano sem nome, estava preso nessas cordas que a vida tece. Era terrível acordar num espaço em que o horizonte terminava no prolongamento do braço. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava a estrutura do meu pensamento, da minha vida, e acordava, suado e exausto com o medo a assaltar as muralhas do meu silêncio. Era inútil chamar. Dormia acordado sobre o tempo. Tinha aprendido fisicamente a solidão. Era dolorosa essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada, era terrível acordar nessa estreita passagem, tão hostil e dolorosa como o país dos pesadelos.
  
Foi então, nesse ano sem nome, que pela primeira vez, no mês de Maio, mais exactamente no dia vinte e três de Maio, pelas doze horas e trinta, alguém abriu a porta do mundo parado na memória do meu tempo e pousou uma rosa amarela sobre os meus sonhos.

Mas nem sempre as rosas acompanham a eternidade. Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade.


 
Há cerca de trinta anos encontrei duas folhas onde apareciam impressas, em fotocópia, três páginas de um livro. São as páginas, 31, 32 e 33. Desconheço o autor e o nome da obra, apenas sei que é o início de um capítulo com o título Rosas Vermelhas. Guardei-as porque gostei de as ler. Talvez que este desconhecimento me tenha alentado a esta cópia e a este plágio para expressar uma outra ideia. Que o autor me perdoe esta falta. Foi com boa intenção, se é que as boas intenções podem desculpar alguma falta.

Sem comentários:

View My Stats