StatCounter

View My Stats

01/04/13

HÁ SEMPRE UM AMANHÃ...

Mário Faria
http://franklypenn.com


Um dia é composto de momentos. Na nossa vida, há muita rotina o que não impede que aconteçam situações que escapam à monotonia e apelam à emoção e/ou ao desassossego. Era mais um dia chuvoso que começou com o despertar habitual, e depois uma série de idas: ao café, á tabacaria, ao barbeiro, a uma entidade pública para tratar de assuntos pessoais e à farmácia, circuito que completei da parte da manhã, tendo deixado para a tarde o hospital, na condição de visitante.
Percorria uma teia de corredores das Finanças, envolto em pensamentos lúgubres pelas malfeitorias que neste país aplicam aos reformados em geral, e a mim em particular, quando uma senhora idosa, bem composta, parou diante de mim e disse com severidade: “O senhor leva a braguilha aberta: não se vê nada, mas devia ter mais cuidado”. Surpreendido, atrapalhado e sem palavras, não reagi de imediato. Adita senhora continuava impávida e serena à minha frente e só quando me mexi e pus o fecho no lugar onde deveria estar, se afastou com um breve aceno de consentimento, como a autorizar-me a retomar o caminho que faltava percorrer. Vou passar a ter muito cuidado, para não receber mais raspanetes e não passar mais vergonhas.
Não ficaram por aqui as surpresas da manhã. O tempo tinha melhorado e o sol, embora um pouco envergonhado, permitiu-me fechar o guarda-chuva, que prometia virar a cada rabanada de vento. Junto do cruzamento que tinha de atravessar e com vários sinais de trânsito, um carro desportivo, conduzido por uma jovem, teve de pararporque o sinal vermelho assim o exigiu. Era interessante, trazia vestuário ligeiro e a janela aberta, o que permitia ouvir a música a muitos metros de distância. Maneava-se ao ritmo da música disco, muito animada e de maneira contagiante, tanto que um jovem, que caminhava no passeio próximo, parou e acompanhou-a nessa dança, separados pela distância, mas unidos na comunhão dos movimentos dos corpos que tinham acertado com alguma harmonia. O verde do semáforo cortou o encantamento,a moça arrancou rapidamente e acenou um “adeus” à melhor maneira dos filmes italianos dos anos sessenta. Foi muito giro de ver. Foi diferente e o último raio de sol naquele dia cinzento.
Ao almoço fui cilindrado pelo bombardeamento que a Europa lançou sobre o Chipre. Já não é uma ameaça: é a guerra. Os próximos alvos serão os PIIGS: em suma o golpe final no sonho Europeu. Preparemo-nos para o pior e estudemos as condições para a saída da zona Euro, que precederá o desmantelamento da União Europeia.
A meio da tarde, dirigi-me ao hospital. Chovia torrencialmente. Cumpridas as formalidades, subi ao terceiro piso onde se situava a enfermaria. Falei com a enfermeira que não me deu boas notícias: a doente estava pior, embora a pneumonia estivesse em regressão. Fiquei impressionado com o que vi. A minha Mãe não reagiu aos meus estímulos. Abriu os olhos, mas não me viu. Insistiu no silêncio, embora os lábios mexessem como se estivesse a conversar com alguém. Provavelmente, dialogaria com o seu deus sobre a oportunidade e o caminho para chegar junto dele. Não havia ainda acordo, conforme julguei perceber pelos acenos que fazia com a cabeça. Certo é que já não tinha qualquer influência na decisão final, provavelmente nem o corpo médico.
Regressei a casa arrasado: liguei a TV para sentir o prazer do barulho. Só muito maistarde me deitei. Há sempre um amanhã, salvo para os que decidem partir depois de terem acordado, com o seu deus, o modo e o tempo de o fazer.

Sem comentários:

View My Stats