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01/03/14

FELIZ COMO NUNCA, REACCIONÁRIO COMO SEMPRE!

Mário Faria

 

 

A chuva parou e resolvi aproveitar a folga. As nuvens corriam altas e não davam descanso à bonança que timidamente se tinha instalado. Por isso, resolvi dar um passeio pelas redondezas e voltar aos cenários antigos. Uma boa parte do pequeno comércio já não mora naquelas bandas e os edifícios degradados morrerão de pé, de forma resignada e sem futuro. A população é prioritariamente constituída por idosos que transitam em passeios estreitos, inundados de excrementos de cão; andam para cá e para lá, sem rumo certo, a cumprir da melhor maneira que sabem e podem o exercício da sobrevivência. Dei com o Zé que fechou a sua tendinha de venda de fruta e passou à reforma. Pusemos a conversa em dia: a família, a política e o nosso FCP foram temas que discutimos animadamente e que o meu amigo rematou como sempre: “isto cada vez está pior”. Depois desta sentença, seguiu-se um momento de constrangimento que estranhei porque o Zé tinha um vasto reportório de episódios sobre a vizinhança, sempre muito apetitosas. Num tom de malícia e mal dizerdevassava a vidinha daquela gente e tinha um vasto reportório de histórias de faca e alguidar que presenciava, pois a sua loja vivia paredes meias com a pensão Lua-de-Mel, muito frequentada por gente cosmopolita, divertida, com dinheiro e, a sua maioria, clientes habituais do “Lord Jim”, famoso bar do sítio, muito liberal e com miúdas distintas que garantiam um serviço requintado. De repente, o Zé mudou de registo e, com um semblante triste desenhado no momento, resolveu abrir o seu catálogo de doenças. O homem que no passado recente parecia ter uma saúde de ferro e uma enorme vivacidade, está cheio de ferrugem, desgastado por mil maleitas. O Zé não dava tréguas e contava tudo com uma minúcia, rendido ao seu pesar. Dei uma desculpa para zarpar, pois este tipo de conversa é contagioso O Zé não me deixou. Exigiu que ouvisse a última odisseia vivida no Centro de Saúde. Felizmente, começou a chuviscar: desculpei-me com a constipação que me afligia, despedi-me, dei-lhe um abraço, desejei-lhe as melhoras e desertei para o café. Maldade minha: sabia que não me acompanharia porque estava de relações cortadas com o Luís que me atendeu atenciosamente, como sempre. O homem estava delirante com a campanha do SLB e com as virtudes do melhor primeiro-ministro depois de Abril; “obrigou-me” a assistir ao congresso do PSD porque a TV estava virada para lá. Vi os novos e os velhos do PPD num casamento de conveniência: estavam bem-dispostos e riam-se muito. Santana, Mendes e Marcelo disputavam o lugar mais próximo do chefe do governo, como os miúdos fazem quando encontram os seus ídolos para as fotografias da praxe. Nãogosto daquela gente e ao ver aquelas imagens da família popular democrática, lembrei-me do filme o Padrinho. Maldade minha, esclareço sem remorsos. Mas devo confessar que aquela ridícula dança para acomodar três traseiros em duas cadeiras eque aqueles senadores cumpriram obesos de prazer, pôs-me doente. Tinha de fugir: o Luís, ao meu lado, sorria alarvemente feliz como nunca e reacionário como sempre. Não sei para onde vou, mas sei que não quero ir por aí, nem com tais companhias. A chuva parou, despedi-me e saí. Não penso voltar.

 

 

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