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01/07/14

O REGRESSO

Mário Martins

 

Eduardo Lourenço está de volta ao solo pátrio.* E com que agudeza de espírito. Como se de um mestre pintor da renascença se tratasse, o velho pensador traz-nos a perspectiva. A nós, consumidores da informação-entretenimento instantânea. É como quando entramos numa catedral. Tudo muda. A velocidade e a atitude, fenómeno que não passou despercebido a esse outro (jovem) pensador, que é Gonçalo M. Tavares. EL acha que Portugal "é uma espécie de milagre intermitente", dada a grandeza de Espanha no espaço ibérico. Na época dos descobrimentos "a Europa era, ela própria, pensada como o centro do mundo. E o centro da Europa era a península e a cabeça da península era este reinozinho chamado Portugal. À época, chegar à Índia era quase como ter chegado à Lua". Mas "500 anos de Portugal como país colonizador acabaram em Abril de 1974 (…) e agora o nosso problema é que, pela primeira vez desde a tomada de Ceuta, voltámos ao nosso cantinho". Sobre a Europa, EL não é complacente: "Só nós, europeus, é que entramos em depressão. Nunca vi os árabes terem esse discurso. Isso tem a ver com a fé (…) Mesmo com todos os problemas que tem, é um continente altamente privilegiado. As nossas doenças são de gente rica".Estamos "inseridos num fenómeno de crise, não direi planetária, mas pelo menos ocidental. Por outro lado, "temos pelos menos três versões da Europa desde o século XVI, devido ao acontecimento mais importante da história europeia, que foi a Reforma. A Reforma criou duas Europas, porque mudámos de religião. Pior do que isso, é a mesma religião em duas versões (…) E há ainda uma terceira, que é a Europa ortodoxa propriamente dita, que não se alterou até 1917, e que voltou à mesma, apesar de tudo o que aconteceu na Rússia (…) A crise da Europa não é uma crise superficial, é uma crise profunda. É que a civilização e a cultura à qual nós pertencemos é crítica desde a sua origem. Este é o continente onde foi inventada uma forma de pensar o mundo e de nos pensarmos a nós próprios que é laica na sua essência e que se chama filosofia (…) É uma civilização em que tudo é debate. Até Deus é discutível. Nas outras civilizações, Deus é a resposta. Para nós, Deus é a questão (…) O futuro diálogo é o diálogo entre a parte mais antiga do planeta, que é o Oriente, e a parte mais nova, a América, com a Europa no meio. O elo histórico desse diálogo e dessa possibilidade de contacto é a Europa. Temos a sensação que começou um novo período na história da humanidade. Portugal terá o destino que tiver a Europa. O que caracteriza a história da humanidade é a sua imprevisibilidade. Mas navegamos há 800 anos e não vamos naufragar à primeira onda, não creio".

Saudemos, pois, o regresso do velho mestre ao "labirinto" e a sua mensagem de esperança.

Revista Jornal Expresso 2014-06-13.

 

 

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