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01/08/15

CARTA AO MEU PAÍS

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Bom dia, meu querido país. Escrevo hoje para ti, país de sol, de mar imenso e intenso, de humanidade poética, de ideais profundos, do vagar lento da história a cimentar a nação, o território. Sim, é para ti que esta carta hoje vai, para ti, país de montanhas, dos caminhos da cordilheira geresiana que nos faz sentir passageiros da eternidade, das papoilas vermelhas que um dia encontrei na descida para o Pocinho, da jovem que em Maiorca me sorriu ao amanhecer de um dia distante, das falésias de Sagres, apontando outros mundos ao mundo, dos terrenos acidentados da Arrábida espreitando o infinito de azul marítimo, da charneca em flor da poetisa, da quietude das planícies do sul, país de cultura árabe, das descobertas, de aldeias tranquilas adormecidas nas escarpas a norte, ou usufruindo da sonolência da tarde a sul, das águas cálidas de África arrastadas para o território ocidental do que foi o Al Andaluz, do verde atlântico plantado nas ilhas oceânicas, do Verão minhoto, do calor sufocante do planalto transmontano ou das serranias beirãs, país do Douro, sinuoso, belo, magnífico, do Tejo que se espraia, do Minho e do Guadiana, que já fecharam fronteiras, do Mondego só nosso. País de aldeias encerradas no interior de muralhas e fortalezas, de cidades enobrecidas, Coimbra sonhadora, Lisboa onde ao amanhecer ainda se escuta o canto estremecido do al muezim chamando à oração, da minha cidade, nobre e eterna descendo em socalcos até ao rio e que nas tardes melancólicas outonais, espreita o mar, como quem se despede de naus e caravelas, enquanto embala uma lágrima teimosa entre o colorido moribundo das folhas no seu ciclo crepuscular. Sobretudo, meu país a quem dirijo esta carta, és meu, és nosso, és da cidadania que o ergueu, construiu e defendeu e não és pertença, como corajosamente o denunciou Alexandra Lucas Coelho, não és coutada, como digo eu, do néscio de Boliqueime e do seu partido. País de seres humanos livres, vives hoje sufocado, amordaçado por um governo de marçanos, capitaneados por um matreiro e manhoso capataz, um Capo que fez da mentira regra de Estado, secundados por um demagogo, um falsete, um abrigo da falácia que utiliza a ignorância dos velhos como sobrevivência do seu projecto político. Ah, meu país de Abril, de revoluções dignas e românticas. 1383, onde eu, Afonso Anes Penedo, combati, de 1820 e do Cerco do Porto, «já estremece a tirania, já o sol amanheceu», como nos diz a poesia cantada, dos soldados da Rotunda a despachar a monarquia para o seu lugar da história. Sim meu país de liberdade, diz-me, de onde saíram estas larvas que ocuparam o poder de assalto? Aquando dos dias encantados da vaga metamorfoseada de Abril, limpamos o convés e quando espreitamos os porões, pareciam vazios e limpos, mas não atentamos nos vermes que na sua infância permaneciam agarrados e mascarados nos pilares do navio. Haveriam de crescer. Quando a democracia principiou a ser domada, surgiu a primeira geração da escumalha que numa manhã límpida de Primavera fora lançada aos peixes do mar de sargaço. Tinham saltado do navio quando pressentiram a água da limpeza a aproximar-se e um desses putrefactos seres cujo nome ocupa hoje a toponímia do meu país de um extremo ao outro, como se fosse um herói, um sábio, um emérito cidadão, não deixou um parágrafo, uma frase, uma única palavra, que mereça lembrança. Limitou-se a abrir os porões onde estes seres gordurosos e peçonhentos medravam. A segunda dinastia principia com uma figura de opereta, um estulto que nem chega a ter habilidade para palhaço. Para o trabalho de desmontar o país, escolheram este ignaro que haveria de ficar na história com a designação de Cavacoamon, com as ideias dirigidas pelos deuses e senhores territoriais de Tebas. Por fim, já com esta democracia transformada num proto-fascismo, cai-nos a terceira dinastia dos biltres, como uma tempestade, como uma nave levando-nos à velocidade da luz, de regresso a um passado que acreditamos morto e sepultado nos gavetos de mármore que se estendem nas paredes dos cemitérios da história. E em nome da rosa quantas maldades também nos fizeram! E assim, meu país de verde, de luz, de casas blancas e de cielo azul, como consta da poesia que lembra Garcia Lorca, da dureza do granito, do encanto dos teus vales escondidos, dos teus montes silenciosos, das aldeias de pescadores que vão desaparecendo na tristeza do olvido, do sol que tomba na beleza das tardes de estio que se prolongam pela noite, dos faróis que de terra lançam feixes iluminados de aviso para o mar longínquo, assim, meu amado país, estas corrompidas figuras voltaram a assombrar-te o futuro, a mergulhar-te nas trevas da pobreza e da ignorância com que te abafaram a voz ao longo de décadas, volveram para te afogarem nos teus soluços de tristeza, para te esqueceres do teu passado erguido pelos teus heroicos e imemoriais cidadãos e enquanto semeiam espinhos no teu caminho, erguem-se na petulância da sua profunda estupidez como se fossem egrégios e excelsos. Ambos sabemos, eu e tu meu querido país, que como escreveu o insigne March Bloch, somos apenas «os vencidos temporários de um destino injusto» e que apesar de nos fuzilarem a esperança, nós aqueles que verdadeiramente são a pátria, se elevarão de novo num ciclo transformador para repor em toda a sua plenitude a liberdade do pensamento e da criação, para que tu, meu país, possas voltar a sorrir em toda a tua geografia e o canto árabe se misturará com o gregoriano, numa música que despertará as madrugadas onde os seres humanos encontrarão a delícia da vida sem amos nem senhores e desta canalha que hoje te envenena o sangue, nada mais restará do que essa poeira que o deserto enterra após a passagem do vento. De mim, para ti, meu país, vai um abraço sereno e profundo de amizade.

Afonso Anes Penedo


Erguem-se muros em volta 
do corpo quando nos damos 
amor semeia a revolta 
que nesse instante calamos

Semeia a revolta e o dia 
cobrir-se-á de navios 
há que fazer-nos ao mar 
antes que sequem os rios

António Ferreira Guedes


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