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01/09/16

IDE EM PAZ

Mário Faria

 (pt.depositphotos.com)


A atmosfera era de pesar: um familiar tinha morrido. Casa cheia a assistir à missa de corpo-presente. O efeito de estufa que a capela produzia aumentava em alguns graus a temperatura declarada. Era inevitável que a sonolência provocasse sinais indesejáveis de desrespeito que tive de combater. A estratégia foi tentar prestar a máxima atenção à cerimónia e seguir o ofício com a possível dedicação. Estava no meio de crentes muito aplicados. O padre de serviço, nem tinha boa dicção nem se ouvia. Os meus olhos faziam um brutal esforço para estarem abertos. No meio do levanta, senta e ajoelha, a cerimónia humanizava-se quando os fiéis respondiam às ladainha, respondendo: “ouvi-nos Senhor”. Embora tivesse sido educado segundo os princípios da Santa Madre Igreja, estou muito destreinado e não consigo descodificar nem a encenação, nem a representação. A cerimónia religiosa durou cerca de 30 minutos na repetição de uma lengalenga maçadora que só “animava” quando os presentes interagiam com o padre e davam seguimento às suas prédicas com as vozes afinadas de quem está habituado ao cerimonial religioso. Começava a  impacientar-me quando o padre se sentou com a cabeça junto ao peito, em sinal de recolhimento. Maldosamente, nessa altura pensei que provavelmente estaria tão sonolento quanto eu. Levantou-se exausto: a expressão era de dor. Este tipo de serviço religioso deve ser extenuante. Senti que o santo sacrifício da missa estaria próximo do fim. Consegui entender a data da realização da missa do sétimo dia e foi com alívio que o ouvi dizer, “ide em paz”. E fui. Perguntei-me: não poderia ser esta missa, mais simples, mais próxima e mais curta, sem desrespeitar os cânones religiosos? Uma espécie de diálogo com a alma da falecida, e com os seus familiares e amigos, a desejar-lhe votos de boa viagem e boa estadia e a promessa dos que os que cá ficam, e têm saudades, continuarão a perseverar a sua presença num cantinho do coração? Podia? Se calhar, não: a ortodoxia religiosa não dispensa tais rituais. É uma arma essencial na sua luta pela sobrevivência.

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