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01/10/16

ENCONTRO PESSOANO


Mário Martins

https://www.google.pt/search?q=fernando+pessoa+heteronimos


Estava Eme, num destes fins de tarde, no Martinho da Arcada, concentrada – o leitor não estranhe, Eme, para minha própria surpresa, é uma personagem do género feminino – em desvendar se é provocatória ou verdadeira, em qualquer caso de fino recorte, a afirmação pessoana de que “…nada tem, cientificamente falando, existência ‘real’. As coisas são sensações nossas, sem objectividade determinável, e eu, sensação também para mim mesmo, não posso crer que tenha mais realidade que as outras coisas…”, quando a sua atenção foi atraída por um diálogo na mesa ao lado que a deixou estupefacta: “Então por onde tem andado o meu ilustre amigo Álvaro de Campos? Bem, por aí, no mesmo universo literário que você frequenta, ainda que em diferente galáxia, meu caro Ricardo Reis. Calculo que o Álvaro tenha saudades do seu mestre Alberto Caeiro, ele que já morreu há uns bons anos. Sim, sim, em 1915, de tuberculose, tinha apenas 26 anos. Você já viu, Ricardo, que aquele “louco sonhador” do Fernando Pessoa - “…Sem a loucura que é o homem/Mais que a besta sadia/Cadáver adiado que procria?”; “Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida” – considerou Caeiro, que igualmente reconhecia como seu Mestre, nascido em 1887, ou seja, um ano antes dele próprio vir ao mundo? Como Você sabe, para mim, Fernando Pessoa “…não existe, propriamente falando”, sensação que ele próprio não desmente na sua tábua bibliográfica: “Se estas três individualidades (Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos) são mais ou menos reais que o próprio Fernando Pessoa – é problema metafísico, que este, ausente do segredo dos Deuses, e ignorando portanto o que seja realidade, nunca poderá resolver”. Saramago bem tentou matar-me, a mim, Ricardo Reis, mas a morte que o nosso Prémio Nobel situou em 1936, não representa mais do que a farsa da morte de Fernando Pessoa, inventada pelo próprio em 1907, para saber que opinião tinham dele os seus colegas e professores de escola na África do Sul: “[Estou a escrever-lhe a respeito do] falecido Fernando António Nogueira Pessoa, que se pensa ter cometido suicídio; pelo menos fez explodir uma casa de campo onde se encontrava, tendo morrido ele e várias outras pessoas…”. De resto, na poesia de Pessoa “A morte é a curva da estrada/Morrer é só não ser visto”. Não sabemos como a conversa prosseguiu e acabou, e mesmo se acabou, porque, de repente, Eme sentiu a necessidade imperiosa de molhar os pés no Tejo, pelo que saiu do café quase a correr…

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