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01/12/16

AMÉRICA


António Mesquita





"Interpretar é não saber explicar. Explicar é não ter compreendido."

(Fernando Pessoa)

Por que é preciso interpretar o que sucedeu na América? Digo América e não o nome do país, porque a América tem sido, mais do que qualquer outra nação, a grande reserva dos mitos modernos.

Não perdeu, sobretudo, a sua ligação simbólica à ideia de um 'Novo Mundo', que é, por estranhos caminhos, também a ideia do 'Mundo Novo' de um nosso poeta popular.

Como diz Pessoa, só interpretamos o que não sabemos explicar. E porque, até agora, dávamos algum crédito aos meteorologistas da política e a métodos estatísticos cada vez mais refinados, não compreendemos como todas as sondagens e todas as opiniões encartadas falharam tão rotundamente.

É muito provável que o que se passou seja menos um fenómeno político (a vaga do chamado populismo ou o desencantamento das 'massas' em relação à 'coisa pública'), do que a revolução tecnológica de que tanto se fala, mas que não tinha mostrado ainda este seu efeito disruptor sobre a própria democracia.

Na verdade, o fenómeno das redes sociais baseadas na Internet está a impor, cada vez mais, a agenda da imprensa tradicional e da televisão e a provocar o seu esvaziamento. Com isto, a opinião reflectida do leitor de jornais e do espectador da 'boa televisão', embora 'enquadrados' na tendência ideológica desses mídia, está a ceder o passo aos agrupamentos de ideias miméticas que se espelham umas às outras, sem que se possa dizer que há um 'pastor' no comando de redes digitalizadas como o 'Facebook' ou o 'Twitter'. Mas quando se sabe que o vencedor usou os chamados 'bots'(*) e as suas mensagens geradas automaticamente (e replicadas depois por eleitores de carne e osso) para distorcer o sentido do voto, temos que admitir que algo de enorme aconteceu. A democracia parece ter perdido o seu eleitorado, o mítico Povo legitimador de todo o sistema. E os próprios partidos parecem ter os dias contados.

Pode-se considerar estas eleições como fraudulentas por causa de manobras como esta (e outras formas mais sofisticadas de 'dar expressão' ao sentimento dos cidadãos). Mas a democracia está cheia de golpes tão ou mais graves do que este. O anti-semitismo de Hitler foi uma opinião tão fabricada como a das redes sociais, cavalgando o medo, como aquele.

Não importa que Trump dê realmente voz a um descontentamento real. Porque agora nunca saberemos a que povo atribuir esse descontentamento, que representa esse povo em termos nacionais?

Ora, o que é mais grave é que este bloqueio da democracia só pode mudar para pior. Trump foi o primeiro a utilizar, sem quaisquer escrúpulos, esta nova arma cujo último significado é a implosão do 'povo democrático'.

A América está em vias de reciclar os seus mitos e de perder a capacidade de os regenerar. 



(*) "Bot, diminutivo de robot, também conhecido como Internet bot ou web robot, é uma aplicação de software concebido para simular ações humanas repetidas vezes de maneira padrão, da mesma forma como faria um robô. No contexto dos programas de computador, pode ser um utilitário que desempenha tarefas rotineiras ou, num jogo de computador, um adversário com recurso a inteligência artificial. Bots também podem ser considerados ilegais dependendo do seu uso, como por exemplo, fazer diversas ações com intuito de disseminar spam ou de aumentar visualizações de um site. O seu uso mais frequente, entretanto, está no Web crawler, em que um script realiza buscas automáticas, analisa informações de arquivos e servidores em uma velocidade extremamente alta, muito superior à capacidade humana. Além desses usos, o bot pode ser implementado em sites em que há comunicação com o usuário, como sites de jogos ou simplesmente onde é necessária comunicação semelhante à humana.[1] O uso mais recente de Internet bots foca-se na publicidade, como o Google Adsense, que exibe a propaganda mais adequada a cada pessoa dependendo de seu comportamento na Internet." (Wikipedia)

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