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01/05/18

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva


Habituaste-nos a ver o mundo com a ternura das palavras, e mesmo quando das tantas maldades que nos fazem falavas, havia uma carícia de vento que nos levava. Ensinaste-nos que a utopia é um caminho e não um destino e que o sonho, essa fantasia que nos move para os momentos mais nobres, não é chegarmos, mas caminharmos continuamente para nos aparecer como a sombra que sempre se move ao ritmo dos nossos passos. O ideal a alcançar está para além de nós, para lá da nossa passagem pela vida, na qual apenas deixamos mais algumas sementes num jardim que se vai cobrindo de flores conforme nos movemos. Falavas da tua América, da nossa Europa e do mundo que os nossos olhos abarcam e os nossos ouvidos escutam. Por isso, deixaste saudades, esse gosto amargo que nos faz mergulhar a alma nos rios da memória, nos faz lembrar o teu ar amável, o tom de voz que não se alterava apesar de nos mostrares histórias com os piores momentos da humanidade, e como têm sabido serem malévolos estes seres do qual fazemos parte. Dizias-nos do que a vaidade, o egoísmo, a estupidez podem ser capazes e como têm poder para nos infernizar a vida e tornar o sentimento da felicidade, apenas um lugar sonhado e divino. Leio por estes dias que quando te aproximavas da tua última viagem, diminuíste o labor de “As veias abertas da América Latina” porque pretendeste que fosse um livro de economia política e não tinha preparação para tal ensejo. É uma grande injustiça que fazes a ti próprio, pois creio que a grandeza do teu trabalho não está apenas na denúncia, mas no facto de ser realizado por ti e não por um economista. Falas-nos de humanidade e eles, os economistas, só saberiam falar-nos de números. Afinal, levas-nos num roteiro pela vida sofrida dos povos da latino-américa. A dimensão das civilizações, Maia, Azteca e Inca, o seu estado evolutivo que ainda não lhes permitia o trabalho pré-industrial dos metais e desconhecia o cavalo, factores que lhe serão fatais e irão permitir aos colonizadores castelhanos conduzirem um dos maiores genocídios da história pela mão de gananciosos quadrilheiros feitos cavaleiros de Deus e do Império e mais tarde, quando esgotada a mão-de-obra indígena que restou, tratarem da mesmo forma os escravos que os portugueses traziam de África numa escala de milhões e permitiam em 1518 ao bacharel Alonso Zuazo escrever a Carlos V desta forma: «É vão o temor de que os Negros possam sublevar-se; viúvas há nas ilhas de Portugal, muito sossegadas, com 800 escravos; tudo está em como são governados. Eu encontrei à vinda alguns negros ladinos, outros, fugidos, a monte; chicoteei uns, cortei as orelhas de outros, e não chegaram mais queixas.» (*) Escreves com essa riqueza literária que nos habituaste que nos faz sentir revoltados sem que nos assome qualquer desejo de violência vingativa, apenas e só esse anseio intelectual de um dia podermos julgar toda essa gente, pelos crimes e pelo sangue que fizeram e fazem nascer nos povos do mundo. Mostras-nos também com a evidência dos números e a sensibilidade da palavra ética e de uma moral elevada que se prende com o significado tão mal tratado da palavra dignidade. Se algo, se pode lamentar no teu trabalho de pesquisa, análise e esclarecimento, é que não o pudesses ter actualizado 30 anos depois da publicação. Os crimes das democracias colonizadoras e espoliadoras da Europa e do Norte do continente americano, apareceriam ainda com maior crueldade. Deixaste-nos um pouco mais sós, mais isolados, mais carentes das tuas palavras, dos teus pensamentos que nos mostravam o mundo em que vivemos, com o seu presente e o seu passado, com essa face azeda da maldade dos poderes humanos, ao mesmo tempo que nos apontavas o caminho do sonho e da utopia. Perdemos um sonhador e um poeta da palavra, mas ficou em nós a esperança e o caminho para percorrer. Certamente que no futuro, como no passado, continuarão a nascer seres humanos com essa vontade indomável de percorrer os caminhos dessa quimera a que chamamos felicidade e aprender todos os dias como nos ensinaste, a unir a beleza com a palavra, a ver o devir como um espaço de coragem e de muitos sorrisos, esses que iluminam o ser humano e o fazem transpor as adversidades nesse combate incessante para impedir os senhores de mundo de destruir o planeta em que vivemos. 
         
Eduardo Galeano, em “As veias abertas da América Latina”, Antígona Editores, 1ª edição, Lisboa, Abril de 2017.

Não consigo habituar-me a essa ideia de que já não estás, que simplesmente não vens, foste numa viagem sem regresso e vejo-te como se a cada passo que dás fosses apagando a estrada caminhada. Falta-me coragem para me despedir, para mandar recolher as sentinelas que guardavam um sonho que eras tu. Se o silêncio ainda tem sons, são os que anunciavam a presença do teu voo, a chegada da água que jorrava da fonte onde nascias. Ainda apareces nas mensagens que sobrevoam as madrugadas sem luz e atravessas as linhas que o vento traça no desenho da solidão que me invade o tempo. Ainda te sinto em todos os momento da natureza, nos objectos que toco, na rotação dos astros, nas extravagâncias da beleza que se desprendia dos teus olhos e ficou retida no campo aberto do meu silêncio. Partiste há tanto tempo e não consigo habituar-me à ideia… 

No Estado Judeu, dito de Israel, os fanáticos e criminosos que ocupam o poder, decidiram que basta apenas a vontade de dois deles para poderem declarar guerra ao mundo. À loucura islâmica junta-se a judaica e o planeta em que vivemos aparece cheio de perigos e ameaças.
  



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